ASSOCIAÇÃO “AMIGOS DO BAR” – 10 ANOS DE AUXÍLIO AO PRÓXIMO

O ano era 2016. Talvez o mês de março. Naquele dia ele acordou um pouco mais cedo. Eram cinco horas da manhã. Temperatura baixa e uma chuva forte castigavam a cidade de Marília. Pegou o carro e seguiu até uma residência em bairro da zona Norte, junto com um amigo de outra entidade assistencial. Um local que há três meses não poderia ser chamado de residência: apenas um cômodo com paredes todas mofadas, um sofá e colchões rasgados, um odor insuportável, telhas quebradas, banheiro improvisado no pequeno quintal, bichos peçonhentos para todo lado, enfim, difícil imaginar alguém residir naquelas condições. Mas ele e seus amigos reformaram aquele lar, deixando-o habitável, em condições dignas. Contudo naquela madrugada ele estava lá com outra finalidade: a de levar de qualquer jeito uma garotinha de apenas três anos a um posto de saúde. A menina precisava fazer uns exames, inexplicavelmente sempre protelados pela mãe, uma campeã de esquivas. A garotinha sofria de anomalia anorretal. Trata-se de uma malformação congênita, na qual o reto e o ânus não se desenvolvem corretamente. Ela se apresenta desde o nascimento, mais comumente quando não há abertura perineal visível à inspeção para a saída de mecônio (primeiras fezes) no recém-nascido. Precisava de cirurgia. Mas os exames nunca eram realizados. A pobre criança usava faixas e gazes o dia inteiro na cintura, pois ali ficava o orifício para suas necessidades. Porém naquele dia ele fez tudo dar certo. Foi aí que entrou o prestígio de um médico muito conhecido que acelerou a cirurgia com um colega.   

 

A CHEGADA

O processo imigratório no Brasil teve início em 1850 com o término do tráfico de pessoas escravizadas. O governo, com o intuito de apagar o regime escravocrata, começou a incentivar a entrada de imigrantes europeus buscando promover o “branqueamento” da população.  Apenas para ilustrar, os fluxos imigratórios no Brasil se estenderam de forma expressiva entre 1889 e 1930. Ingressaram no país mais de 3,5 milhões de estrangeiros. Pode-se apontar vários motivos para esses deslocamentos, como a busca por trabalho, ou seja, uma melhor colocação profissional e qualidade de vida decente, crises políticas e socioeconômicas e até perseguições religiosas e étnicas.  

No ano de 1908 o Brasil continuava precisando com urgência de mão-de-obra para trabalhar nas fazendas de café, sobretudo em São Paulo e norte do Paraná, enquanto que o Japão necessitava mitigar a tensão social interna, provocada principalmente pelo elevado índice demográfico. O Tratado da Amizade, Comércio e Navegação, firmado entre as duas nações alguns anos antes, possibilitou o referido fluxo.

O marco inicial desse acordo aconteceu no dia 18 de junho de 1908, com a chegada no porto de Santos do navio Kasato Maru. De Kobe, a embarcação trouxe, numa viagem que durou 52 dias, os 781 primeiros imigrantes, além de 12 passageiros independentes. E não parou mais.

No ano de 1942, em plena 2ª Guerra Mundial, tendo o Japão fazendo parte do Eixo com Alemanha e Itália, chegou ao Brasil o casal Tetsuo Tachibana e Yaeko. Na bagagem, dois filhos pequenos, a certeza de enfrentar e vencer eventuais receios como acolhimento, preconceito, idioma e xenofobismo, mas também pela frente a esperança de uma vida florescente e promissora. Começava aí mais uma etapa de vida da família Tachibana. Agora em solo brasileiro.   

O trem da antiga Paulista de Estrada de Ferro conduziu o casal e os filhos Shintiro e Junku até a cidade de Garça, a 40 km de Marília. Ao longo do século passado, Garça se constituiu num dos principais polos cafeeiros do Brasil. Tetsuo trabalhou por oito anos na lavoura de café, até conseguir comprar um pedaço de terra em Marília, vizinho à Fazenda do Estado. No local, também conhecido como Fazenda Nova, nasceriam mais dois filhos, Yuawo e Tadaume.

E foi com Tadaume, o filho caçula, carinhosamente chamado de Tadau, que o site ABC (Amigos da Bola e Cia) conversou a semana passada. Representante comercial aposentado, Tadao ganhou projeção em Marília pelo trabalho desenvolvido em prol das entidades assistenciais, especialmente nos últimos dez anos como um dos fundadores e presidente da Associação Filantrópica “Amigos do Bar”. 

 

 

SITE ABC – AMIGOS DA BOLA E CIA – Seu pai foi um vencedor, mas a caminhada foi árdua. Fale um pouco sobre isso.

TADAU – O Brasil na época tinha aquela fama de ser um “Eldorado”, terra do dinheiro, da fartura. E meu pai há anos queria estar no Brasil. O Japão é um país de pequenas dimensões e nesse período vivia a escassez de recursos naturais, importando tudo que carecia de matérias-primas. Por isso que entrou na 2ª Guerra Mundial. Queria compensar esses problemas conquistando outras nações na Ásia e ilhas do Pacífico. Era governado por militares extremamente nacionalistas que tinham a certeza que a beligerância seria o caminho mais rápido para o país se tornar uma potência reconhecida mundialmente. O desfecho disso todo mundo conhece.

 

SITE ABC – A família conseguiu chegar. Mas nada foi fácil, né?

TADAU – Exatamente, não pode ser fácil para a pessoa que chega num país estranho, sem conhecer ninguém, sem saber sua língua e seus costumes. Em Garça meu pai trabalhava feito um escravo. Quase o dia todo. Era muita exploração. Minha mãe, como sempre, dona de casa, cuidando dos filhos pequenos.

 

SITE ABC – E como foi a vida na Fazenda Nova?

TADAU – Bem melhor. Depois de muita luta meu pai juntou um dinheirinho e conseguiu comprar um pedaço de terra na Fazenda Nova, em frente à Fazenda do Estado, na estrada que ligava Marília à região da Noroeste. E com o tempo já possuía 40 alqueires, lavoura toda de amendoim.  

 

SITE ABC – E foi lá que nasceram seu irmão Yuawo e você, certo?

TADAU – Sim. Meu irmão Yuawo já faleceu. Eu nasci em 5 de maio de 1950 e até os 11 anos ainda estudava em escola isolada da Fazenda Nova. Quando a situação mais prosperava, meu pai foi infeliz num negócio. Confiou num amigo, as coisas não deram certo e ele perdeu quase tudo. No ano de 1961 vim a Marília continuar os estudos. Fui morar na casa de uma tia. Meus pais e irmãos só vieram mais tarde.

 

SITE ABC – E que escola o senhor frequentou em Marília?

TADAU – Terminei o segundo grau na escola “Gabriel Monteiro da Silva”.

 

SITE ABC – E o trabalho?

TADAU – Mais ou menos com uns 13 anos de idade eu comecei a trabalhar na Livraria Acadêmica, onde fiquei por 17 anos. Tinha como patrões o Wilson Capia (Assobiador) e o Waldeir Alves Castro. Também fui funcionário da Cyber Móveis, do João Fiorini Jerônimo, José Fiorini Jerônimo e Antônio Carlos Souza. E em 1984 abri meu próprio escritório de representação comercial até me aposentar em 2018.

SITE ABC – E seus irmãos?

TADAU – O Shintiro, o mais velho, seguiu a profissão do pai, ou seja, lavrador, e a Junku, dona de casa.

 

SITE ABC – Como o senhor conheceu sua esposa, a Maria de Pilar Vega?

TADAU – A Pilar era caixa da livraria. E ali começou nosso namoro. Nosso casamento foi no dia 9 de julho de 1977, na igreja de Santo Antônio. Fizemos até uma recepção simples no salão do Patronato.

 

SITE ABC – E a família da Pilar?

TADAU – Ela era filha de um marinheiro espanhol, Fernando Veja Gracia, e da portuguesa Nair da Costa Vega. A Pillar tem dois irmãos, o Carlos Augusto e a Isabel Cristina, que é casada com o empresário Emílio da Montreal, bastante conhecido em Marília e que muito contribui para nossa associação.

 

SITE ABC – Aí vieram os filhos?

TADAU – Sim, o Fábio hoje com 47 anos (publicitário), Tatiane, 45 (gestora de Tecnologia da Informação) e Thais, 41 (psicóloga). Um quinteto de netos: João, Eduardo, Maria Luiza, Maria Júlia e Helena. Somando com meus irmãos são 17 netos e cinco bisnetos.

 

SITE ABC – A longevidade oriental impressiona. São os primeiros do mundo. O que tem a dizer?

TADAU – Mente sã, corpo são. Nós acreditamos que a saúde não depende apenas do corpo, mas também da mente. Hábitos que melhoram a saúde mental são praticados sempre, como meditação, artes marciais, fazer origami, cultivar plantas, cuidar de animais, leitura de muitos livros e a apreciação da natureza. Na área gastronômica, a tradicional dieta japonesa é muita rica em peixe, soja, chá, alimentos fermentados e vegetais. Todos esses fatores asseguram a longevidade, sem esquecer, é claro, dos exercícios.  

 

SITE ABC – Percebe-se que você se emociona muito quando fala dos seus pais.

TADAU – Sim. Quero apenas deixar registrado que meus pais foram vencedores. A forma que chegaram ao Brasil, as adversidades, enfim, transpuseram todas as barreiras e conseguiram proporcionar aos filhos o maior legado, ou seja, ensinaram-nos a ser independentes desde cedo, pois assim nossa responsabilidade aumenta. Deram-nos uma criação equiparada às plantas, que precisam de nutrição, treinamento e poda para que cresçam. Tivemos como herança o valor da honestidade, que é a base de toda relação duradoura e saudável. Quando você consegue passar para seus filhos a importância de ser verdadeiro, principalmente em situações adversas, trata-se de um presente inestimável. Através do diálogo e do exemplo é que os pais ensinam aos filhos que a honestidade gera confiança e respeito, tanto no lar como na sociedade.

SITE ABC – Você é um filantropo. Como surgiu a Associação “Amigos do Bar”?

TADAU – Foi no complexo esportivo do Lelo´s Sport, no prolongamento Esmeralda. Uma turma reunia-se todo sábado à tarde para uma prosa e cervejinha. Até que surgiu a ideia, que foi abraçada por todos. O ano era 2013.

SITE ABC – E depois?

TADAU – Na comemoração do aniversário amigo Heraldo Malta Rolim, na casa dele, em fevereiro daquele ano, toda turma do Lelo´s apareceu lá. O Juarez {José Juarez Staut Mustafá – Promotor de Justiça aposentado}, chegou com um caderninho embaixo do braço com o nome de toda rapaziada. Era só assinar e começar a contribuição mensal. Mas no mês de março o assunto esfriou e quase parou por aí. Entretanto a insistência do Juarez graças a Deus falou mais alto. Com o que já havíamos arrecadado compramos 20 cestas básicas e doamos à ACC (Associação de Combate ao Câncer). Em abril, contemplamos o GAACH (Grupo de Apoio à Criança com Câncer e Hemopatias).

 

SITE ABC – Como foi o auxílio logo em seguida à Casa do Caminho?

TADAU – Ficamos sabendo que essa entidade precisava reformar 14 banheiros. Onde conseguir todo esse dinheiro era o problema: material caro, mão- de-obra, acabamento etc. Então resolvi pôr um anúncio no Jornal da Manhã solicitando ajuda. Obtivemos os azulejos e outros materiais com o empresário Flávio Sá e aí aconteceu algo inusitado. Fui procurado por uma pessoa chamada Arnaldo, que disse trabalhar no Daem e se propôs a ajudar. Ele conseguiu com amigos, fazendo rifas, o dinheiro dos pedreiros, cerca de 5 mil reais, e o entregou em minhas mãos, sem nunca ter me visto na vida. Em três meses a obra estava concluída. Por isso que eu gosto sempre de frisar: nós nascemos com crédito.

 

SITE ABC – Então o trabalho da Associação não parou mais…

TADAU – Sim, foi crescendo o número de integrantes, voluntários e também fechamos parcerias com todos os clubes de serviço, principalmente a Loja Maçônica PLT (Paz, Liberdade e Trabalho), onde realizamos a tradicional “Galinhada” que auxilia dezenas de pessoas carentes. No dia 12 DE abril vamos promover um jantar assinado pelo grande chef Repetti para comemorar os 10 anos de atividades do grupo e destinar a verba para a AMAPON (Associação Mariliense de Apoio ao Paciente Oncológico).

 

SITE ABC – Como a Associação conseguiu essa sede no centro da cidade?

TADAU – Além do Juarez, outra pessoa que merece a nota máxima é o querido José Geraldo Albieri, carinhosamente chamado de Gê, proprietário do imóvel, na rua Rio Grande do Sul, 234.  Cedeu-nos sem nenhum dispêndio. Uma bênção. Isso aconteceu em 2019. Com a sede própria pudemos alavancar os trabalhos e até hoje ajudar mais pessoas em situação de vulnerabilidade.

 

SITE ABC – E a Covid?

TADAU – Não foi fácil. Mas aos poucos fomos dando um jeito de não interromper totalmente o planejamento. Modéstia à parte, talvez eu tenha lançado o primeiro cartaz no Brasil que dizia assim: ‘Fome também mata’. E não é verdade? Tínhamos que enfrentar a pandemia, o isolamento, porque a fome não espera. Foi um período muito complicado. E hoje estamos aí, bem estruturados, organizados, mas diuturnamente atrás de doações. Esse trabalho não pode parar. Proporcionamos aos menos favorecidos produtos hospitalares, camas completas inclusive com colchões, lençóis, fronhas e travesseiros, móveis, vestuário dos pés à cabeça, gêneros alimentícios e até orientações psicológica e jurídica.

 

SITE ABC – Qual o maior desafio até agora da Associação?

TADAU – Olha, foram vários desafios e não vão parar. A reforma de entidades assistenciais exige muito trabalho, dedicação e dinheiro. A gente cobre um hiato deixado pelo poder público, que não consegue atender as demandas. Outra coisa: a pessoa faz a doação, mas há a necessidade de um acompanhamento e muitas vezes pôr a mão na massa. Aí é tudo com a gente. Modéstia à parte eu dou um jeito de encontrar tempo para acompanhar qualquer tipo de contribuição. Sou porteiro, chaveiro, financeiro, arrumador, motorista, carregador, independentemente do horário [risos]. Por isso que sempre é importante o auxílio de um voluntário para dar sequência aos trabalhos. E vamos em frente, sem esmorecer.

 

SITE ABC – Como foi sua aproximação com o empresário Luís Antônio Duarte Ferreira, o Cai-Cai?

TADAU – Eu queria conhecê-lo pessoalmente e detalhar nosso trabalho. Há uns cinco anos, seu irmão, o ortopedista João Carlos Duarte Ferreira, apareceu com ele numa confraternização aqui na sede. Era uma sexta-feira. Tentava conversar com o Cai-Cai, mas não havia jeito. E vai pra lá, pra cá e nada dava certo. Queria explicar nossas atividades, porque sabia que ele era um benemérito.  Aí fiquei sabendo que ele havia ido embora. Isso me frustrou. Fazer o quê? Vai ficar pra outra oportunidade. Na segunda-feira apareceu um caminhão com 300 cestas básicas. Doação do Cai-Cai.

 

SITE ABC – O Cai-Cai elogiou muito o trabalho da Associação. O que mais ele falou?

TADAU – Ele me confidenciou que tinha uma antiga aspiração, ou seja, de construir uma entidade que pudesse amparar pacientes com câncer e seus familiares. Explicou que esse pessoal carente da região, quando vem a Marília fazer exames e tratamento, não tem onde ficar, não tem sequer uma refeição, não tem um local de descanso, não tem nada, assim como os acompanhantes. Ele me convidou para ser o coordenador geral dessa iniciativa e hoje podemos dizer que em pouco tempo teremos em plena atividade a tão sonhada AMAPOM. Com muita justiça o Cai-Cai é o patrono de todo esse projeto inédito no Brasil. Assim como o promotor Juarez é oficialmente o fundador da Associação “Amigos do Bar”.

 

SITE ABC – Onde será a sede da AMAPOM?

TADAU – Na rua Feres Mattar, 475, Vila Fragata. Em novembro do ano passado foi lançada a pedra fundamental. Em poucos meses estará em funcionamento.

 

SITE ABC – Parece que a AMAPOM também vai construir uma praça em frente à sede…

TADAU – Sim, o prefeito Daniel Alonso nos cedeu uma área de 600 m2 onde vamos construir e manter uma bela praça para todos da AMAPON e para a comunidade.

 

SITE ABC – E por falar no Cai-Cai, foi na presidência dele que o Marília Atlético Clube teve a sua fase mais áurea desde a fundação. Como senhor analisa o MAC hoje?

TADAU – Eu não quero criticar a atual diretoria, mesmo porque não conheço a fundo o trabalho desse grupo. Porém, na minha opinião, para dirigir o MAC a política tinha que ser deixada de lado. O pessoal tinha que ser apartidário para haver mais união. Acho difícil alguém levar o Mac onde o Cai-Cai levou. O que é inadmissível é uma cidade do tamanho de Marília estar na 3ª divisão do Paulista e nem na série D do Brasileiro. Aí não dá pra aceitar. Veja dois destaques do futebol paulista que brilham em nível nacional: o Novorizontino (uma cidade que não tem 40 mil habitantes) e o Mirassol (posso considerar um bairro de Rio Preto).

 

OBS. A menina de três anos, citada na abertura da matéria, hoje tem 12 anos e leva uma vida normal. Ele, você já sabe quem é… o incansável Tadau, é claro!!! Foi Antônio Fabron, o Toninho, hematologista, que conseguiu com um colega a cirurgia sem custos da garotinha, que durou cerca de dez horas. Tadau disse que a mãe da menina culpava o médico do postinho pela postergação do procedimento, já que os exames nunca estavam compatíveis. Todavia Tadau descobriu a mentira. A mãe recebia um auxílio mensal do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) e, pela pobreza extrema, não queria perder o benefício.